Apesar das ameaças de greves trabalhistas, o
governo não admite mexer em dois pontos cruciais da medida provisória que
alterou o marco regulatório dos portos: a liberação de novos terminais
privativos sem a exigência de carga própria e a relicitação de terminais
públicos arrendados à iniciativa privada antes de 1993. Para evitar mudanças
nesses dois pontos, o Palácio do Planalto deverá mobilizar sua tropa de choque
no Congresso e descarta a adoção de um substitutivo à MP 595, como almejam
trabalhadores do setor e arrendatários de terminais públicos.
O Planalto também não abre mão de centralizar, em
Brasília, as decisões do setor. Isso significa que as Companhias Docas não
serão mais responsáveis pelos novos contratos de arrendamento, que ficarão a
cargo diretamente da Secretaria de Portos (SEP), enquanto a Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq) conduzirá as licitações.
Em contraposição aos sindicatos e aos arrendatários
de terminais públicos, as duas maiores entidades patronais do país vão entregar
à presidente Dilma Rousseff um compromisso formal de apoio à MP. A Confederação
Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil (CNA) pediram uma audiência com Dilma não só para manifestar apoio à
medida, mas também para garantir empenho na aprovação do texto no Congresso. A
defesa conjunta da medida foi acertada pelos presidentes da CNI, Robson Andrade,
e da CNA, Kátia Abreu, e tem o apoio ainda da Associação Brasileira da
Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). Todos têm sugestões de ajustes na
redação final, mas querem colocar o bloco na rua para evitar que o pacote acabe
sendo desfigurado.
Um decreto presidencial está em estágio avançado de
redação para regulamentar a MP dos Portos e detalhar aspectos importantes do
pacote anunciado no fim do ano passado, como as regras das "chamadas
públicas" que serão feitas antes da autorização para novos terminais
privativos. O decreto também vai explicitar as metas de gestão com que
diretores das Companhias Docas, responsáveis pela administração dos portos
organizados, terão de se comprometer. Se não cumprirem essas metas, eles
poderão até perder seus cargos.
Quanto às chamadas públicas, a decisão de incluir
esse mecanismo na MP foi da própria presidente, com o objetivo de dar mais
transparência às autorizações da Secretaria de Portos e da Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq). No início de dezembro, quando ela lançou o
pacote de investimentos nos portos, vivia-se o auge da Operação Porto Seguro e
havia fortes suspeitas de tráfico de influência em órgãos do governo para
permitir a liberação de terminais.
"Nós iremos garantir publicidade e transparência
no setor portuário, assim como fazemos em todas as áreas do governo",
disse Dilma, em cerimônia no Palácio do Planalto, no dia 6 de dezembro.
"Todas as autorizações para operação de terminais privados, por exemplo,
serão precedidas de chamada pública."
Funcionará da seguinte forma: sempre que empresas
apresentarem projetos de terminais privativos que estiverem dentro do
planejamento de médio e longo prazos do governo, a Secretaria de Portos lançará
uma chamada, com duração de 30 dias. Outros grupos empresariais podem entregar
projetos alternativos, dentro de uma "área de influência" a ser
definida em cada chamada, mas extensa o suficiente para garantir a
concorrência. Uma regra é chave: só pode apresentar projetos quem tiver terreno
disponível para o empreendimento.
No caso de dois ou mais projetos de terminais
privativos concorrerem ao mesmo tempo, a autorização da Secretaria de Portos
será dada à empresa que oferecer a proposta de maior movimentação de carga, com
menor tempo de construção do empreendimento e tarifas mais módicas.
A ideia inicial do Planalto era publicar o decreto
até janeiro, mas tomou-se a decisão de esperar toda a tramitação da MP 595, até
sua conversão em lei. Assim, o governo evita novos atritos com o setor e pode
adaptar o decreto a eventuais mudanças no texto original da medida provisória.
Ajustes à MP são admitidos pelo Planalto, mas nada
que comprometa a essência do pacote, como a liberação dos terminais privativos
sem exigência de carga própria. Antes, conforme o decreto 6.620 de 2008, esses
empreendimentos só podiam ser feitos se as empresas fossem movimentar suas
próprias cargas, podendo até embarcar ou desembarcar mercadorias de terceiros,
porém de forma residual.
Agora essa restrição acabou, provocando a fúria de
arrendatários de terminais públicos. Eles precisam pagar outorga à União e são
obrigados a contratar mão de obra em regime especial, em órgãos gestores do
trabalho portuário. Por isso houve resistência dos sindicatos ao pacote, já que
o crescimento dos portos tende a ocorrer sobretudo nos terminais privativos.
Hoje, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, se reúne com a
ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para discutir a MP 595.
O governo se dispõe a analisar mudanças no texto em
tramitação, como maior proteção aos trabalhadores nos terminais privativos,
desde que isso seja fruto de consenso no setor. Também pode mostrar-se aberto a
discutir o pagamento de indenizações aos atuais arrendatários de terminais
públicos com contratos anteriores a 1993, quando entrou em vigência a atual Lei
dos Portos (8.630), para levar adiante sua relicitação. A possibilidade de
adaptar (prorrogar) os contratos de pelo menos 53 terminais, conforme pleito
dos empresários, já foi descartada e não há disposição para nenhum recuo.
Outra mudança que o Planalto pode fazer é a
dispensa de chamada pública para a expansão de terminais privativos em áreas
"contíguas" às instalações existentes. Seriam ampliações marginais de
terminais que já funcionam.
Fonte: Valor / Daniel Rittner